sábado, 24 de novembro de 2007

(fascículo 12)

2 - BOTA ABAIXO

O representante do Regime parecia ter aqui encontrado o lugar ideal para sermonário adequado ao intento de revivificar o destino Pátrio. Oratória arredondada, palavras enredadas umas nas outras, inflamadas e exaltadas no fervor. Que a partir de determinada altura, subindo de tom, voaram extravagantes - a ponto de chamar à Nau, a «Esposa da Pátria»! - e soaram desmedidas quando enveredaram pelas promessas seguras (?!) do regime :
«Pão (farto) para os trabalhadores» - que feita a Nau nem por isso acharam fartura na retribuição,
«Paz para o povo» - que por sinal se começava a mostrar bastante inquieto com o alongar do palanfrório, e a que pouca importância concediam, até porque se não ouvia,
«E muitos fffs - Fátima, Futebol e Fado», as três «vitualhas» que pensava o ilustre Governante, seriam suficientes para um bom português

fig 5 - O imponente castelo da Popa

ficar empanturrado e deleitosamente agradecido, à sina de, por aqui ter nascido, neste cantinho sortudo, na beira mar encalhado.
O «Viva Salazar!!!» com que encerrou o palanfrório, mereceu uma resposta pouco condizente, se comparado com «O Viva Portugal», que pareceu ter desencadeado os mais escondidos orgulhos naquelas gentes que logo responderam - agora sim, em uníssono ! - em alto vozear,
«VIVÒOO!!!…».

Já S. Exª rev.ª, O Bispo, entregara o báculo e empunhara o hissope, aspergindo em gestos compassados da mão, de cima para baixo, da esquerda para direita, enquanto solene esporteirava o latinório :
«Et benedictio Dei Omnipotentes, Patris et Filii Spiritus Sancti»….
Tinha chegado a hora.
O Mestre deu ordem para se libertarem as talhas que seguravam a embarcação, que solta, liberta, desata a escorregar pelo plano inclinado. Primeiro suavemente, depois acelerando centímetro a centímetro, metro a metro, acompanhada por um burburinho vindo da multidão, assombrada com a imponência de um barco a movimentar-se, célere e imparável, à procura do seu elemento natural.

(cont)

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