sexta-feira, 19 de outubro de 2007

(continuação do ultimo blog)

Lá para os longes - tão límpidas estavam as serranias –distinguia-se o Caramulinho recortado no lilás opaco dos montes, e neles encavalitado, talvez, para assim melhor se distinguir e, desse modo, melhor fazer notar o esplendório da sua forma arrebitada. Tanta fundura permitida ao olhar, naquela manhã, fazia adivinhar que bem perto do montinho , ali para os lados de Bolfiar , o S.Geraldo , orago de muitas, variadas e comprovadas virtudes, «santinho» com trato próximo e privilegiado com estes gentios da laguna - que lhe rendiam fiel e assídua visita ,para lá valiosas e floridas prebendas em troca da sua intercepção nos trautos terrenos!... – não deixaria de estar atento. A cogiar os preparos que os seus habituais devotos - naquele dia esquecidos da sua virtude de santo tão milagreiro-e zelando,paternalmente , para que nada de importante fosse esquecido ,antes de rumarem a «outro altar», onde luzia, esplendorosa ,a Nau Portugal. Apesar «de Santo» ,mal adivinharia o orago o cambo de promessas que horas depois iria receber, em troca da sua intercepção e colaboração para a milagreira tarefa do :- «ergue-te ..e navega».Lá iremos…
Certo é que a natureza se esmerara, vestindo as mais belas roupagens ,maquilhando-se com as mais belas cores retiradas da paleta celestial, assumindo o mais caloroso propoimento de adequado contributo para que o acontecimento tivesse a presenciá-lo uma moldura humana, em acordo com a dimensão simbólica, que era pretendido emprestar ao mesmo.



fig1- A «Nau Portugal» na carreira


Afadigaram-se as gentes da borda d’água, instigadas pelo acontecimento prometido – e convidados pela bonomia da natureza - a enxamear os canais, esteiros e canaletes, todas as veias de água desenhadas na epiderme lagunar que despejassem para a cale da Vila, embarcando em tudo, quanto capaz de flutuar e carregar no seu bojo a catrefa do povoléu ribeirinho desejoso do espectáculo anunciado. .Todos , açoitados pela curiosidade, pretendiam ser testemunhas vivas do «sucesso» que desde há muito vinha sendo anunciado no sermonário - famas volat !-, nas prédicas habituais das missas das matinas, em que era relevado o seu significado pátrio, excedendo em muito, o mero acontecimento local..
O Portugal de antigamente, o «Portugal das Descobertas» , aquele - esse mesmo! - que tinha defrontado e humilhado o Adamastor, e arrostado com tormentas e procelas para chegar ás Índias e aos Brasis ; o Portugal das naus dos gamas ,cabrais e albuquerques, ícones pátrios (verdadeiras ilustrações de «demência heróica») que tinham afrontado os mares nunca dantes navegados – nem sequer pensados existirem – iria «marear» de novo. Agora embarcado na réplica de uma dessas naus, ali construída pelo Mestre Mónica – deus «terreno» da enxó, capaz de com ela fazer, de um pinheiro um palito : - quanto mais um barco! .

(continua próximo blog)

Sem comentários: