A «Nau Portugal» imponente, soberba e majestática, elevava-se na carreira, exibindo o seu casco preto , redondo ,a que um debrum branco conferia suprema elegância .Sobre o convés, erguia-se a altura que parecia descomunal, um enorme castelo de popa; das cobertas emergiam três poderosos mastros sustidos por enxárcias, grossas como punhos , parecendo esperarem por possante velame que, como os de outrora, fizeram destes galeões verdadeiras lebres do mar. Na proa estendia-se a gávea , pau de giba avançado, em forma de cruz, com o propósito de conferir mais poder vélico , e assim permitir, singradura mais segura e ponteira.
Parecia que nas entranhas da Nau “ batia o coração da pátria, a voz de oito séculos que não se calava” ,
Assim perorou S.Exª o Rev.º Bispo, não se podendo, por bom aviso , aqui ter a certeza se a convicção lhe viria de sábia auscultação ,se por exclusiva hiperbolização oratória, admissível nestas ocasiões consagradas. Verdade indesmentível, essa era, a associação que o regime de Salazar pretendia fazer da Nau, tornando-a um símbolo, uma fénix renascida, emergida para reencarnar a acção civilizadora da «Pátria Portuguesa», numa encenação com que se visava sugerir o reeditar da epopeia da gesta colonizadora de outrora. Uma reafirmação da visão nacionalista do « Império», de que Salazar se julgava ser o último guardião, e com a qual se propunha desviar a atenção dos ataques exteriores - e de alguns tímidos espasmos interiores – que, escapados à malha apertada da censura, se começavam a fazer ouvir, pondo em causa a pretensão da afirmação - e manutenção - de uma pátria , una, que se estendia do Minho a Timor. Um Só Povo; uma só Nação- propalava o regime à época .E um só rosto, o de -Salazar! - imagem de predestinado para o cumprimento de uma missão superior, a de dar corpo ao desígnio de continuidade do Império, uno.
Para tal desiderato a Nau a fundear na doca de Belém, serviria de «âncora» à grandiosa «Exposição do Mundo Português«, estrondosa, impante e charmosa comemoração histórico - patriótica (bem recheada de simbolismo na comemoração dos 800 anos da fundação da Nacionalidade (1140), e dos 300 anos da Restauração da Independência -1640), que se pretendia, viesse a ser, veiculo privilegiado de afirmação das virtudes (?!) do regime corporativo, pretensamente o garante do destino herdado na «mensagem» dos seus maiores.
Acção propagandística para uso interno – com que era suposto regenerar e revigorar o regime - mas e também, apostada em ser notada e referenciada no exterior, num momento em que turvas nuvens se adensavam sobre o espaço europeu ,prenunciando um período de conturbado conflito que iria de novo deixar um rasto de morte e destruição, por toda a Europa. Esta iniciativa portuguesa daria uma imagem de unidade , de paz e progresso, internos , enviando um «recado» para o exterior no sentido de consolidar a posição neutral, que Salazar, astuciosamente, pretendia afirmar, ao permitir apenas a presença do Brasil no certame. A «Exposição do Mundo Português» ajudaria - essa era a intenção – a criar a ideia de um Portugal alheado, embora na realidade não o fosse tanto, das disputas ideológicas dos blocos europeus, já então envolvidos no limiar de um conflito generalizado, que transformaria a Europa no palco sangrento onde se desenrolou a 2ª Grande Guerra Mundial.
fig2- A Entrada da Exposição
Da acção de promoção do evento – encenação caseira das Grandes Exposições Mundiais -, se encarregaria a Comissão de Propaganda de António Ferro, criada para trabalhar e fazer passar a ideia de aqui morava «uma só Nação, una e indivisível , pluricontinental», estendida da Europa a Timor, habitada por «um só Povo vivendo em paz e concórdia», sob protecção de um eleito . Pátria que exibia a singularidade de ser capaz de absorver o paradigma da convivência de raças , credos, etnias e culturas, diferentes, vivendo em - completa (?!) -paz.
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